Acabando o ano e não resisto a falar de um livro muito interessante, de 2012. Nada mal olhar um pouquinho para trás, antes que cheguem as novidades, os livros de 2014. Antes que eles nos enfeiticem.
Quero falar de A experiência opaca – literatura e
desencanto, de
Florencia Garramuño, lançamento da EdUERJ, com tradução de Paloma Vidal. Um trabalho que enfoca
as literaturas argentina e brasileira contemporâneas não só como objeto de
estudo, mas como um vasto campo de experimentação teórica. Para isto, a autora
utiliza concepções, como as de Lygia Clark e Hélio Oiticica, que pressupõem que
a arte como um convite à experimentação, pronta a modificar o público que a consome,
oferecendo e recebendo novos significados.
Não por acaso,
Florencia invoca uma fala do personagem Rodrigo, oriundo de “A hora da
estrela”, de Clarice Lispector:
“Transgredir
meus próprios limites, me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever
sobre a realidade, já que esta me ultrapassa.”
Como exemplo
para explicar a interação entre arte e realidade, Florencia recorre a Hélio
Oiticica, extraído em “Anotações sobre o Parangolé”: “Museu é o mundo, a
experiência cotidiana”.
Esta é a
filosofia que permeia este Literatura
Opaca. Nele, a professora nos guia
por autores cuja criação literária arranca o sujeito de si mesmo, desfilando
personagens eventualmente sem nomes, protagonistas que se fundem, sugerindo a
intensificação de estados emocionais e caminhos fragmentados. Para Florência, a
escrita está “mais próxima de uma ideia de organismo vivo, irracional, que
respira, do que de uma construção acabada...”.
A literatura
analisada, seja brasileira ou argentina, não surge impondo conhecimento ou saberes,
mas sugerindo o precipício do gozo e da fantasia, quiçá do sofrimento. Nesta
aventura, Florencia enumera Clarisse Lispector, João Gilberto Noll, Ricardo
Zelarayan, Beatriz Sarlo, Osvaldo Lamborghini, Silviano Santiago, Ana Cristina
Cesar, entre outros.
Um dos
destaques é a abordagem do lado histórico de dois países do terceiro mundo
marcados pela ditadura. Um exemplo é o capítulo 2, “Um contexto: o desencanto
do moderno”, observando o aparente apogeu, seguido de esgotamento, da hegemonia
cultural da esquerda nos primeiros anos da ditadura tanto no Brasil quanto na
Argentina (esgotamento “apressado” pelo AI-5, no nosso caso). O desdobramento é
a encruzilhada, surgida posteriormente: a arte deve ater-se ao momento político
de seu país, tornando-se, por vezes, doutrinária? Ou seria possível uma
manifestação cultural política e autônoma?
Estas e
outras questões estão em A experiência
opaca – Literatura e desencanto, de Florencia Garramuño, coordenadora do
Programa de Cultura Brasileira da Universidade de San Andrés, em Buenos Aires,
indicado, sobretudo, para os estudiosos de literatura latino-americana.
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