Lúcio Cardoso escreveu
romances, peças, poesias e se expressou por meio das artes plásticas. Neste mês
em que se comemora o seu aniversário de nascimento (ocorrido em 14 de agosto de
1912), a professora e doutora em letras pela PUC - Rio Beatriz Damasceno
conversou com o nosso blog sobre “Lúcio Cardoso em corpo e escrita”, livro que
lançou pela Editora da Uerj em 2012.
Professora, como surgiu o seu
interesse pelo trabalho de Lúcio Cardoso?

O primeiro livro que li do
Lúcio Cardoso foi a novela
Inácio,
nos meus tempos de faculdade, aqui na Uerj, e fiquei admirada com a densidade
do texto. Lúcio Cardoso é um grande escritor, à medida que conhecemos seu
trabalho, nós nos impressionamos com a construção dos personagens, com a
estrutura narrativa.
Além disso, o meu interesse de
pesquisa é a relação entre a escrita e a experiência e Lúcio Cardoso manteve
diário durante anos e o escrevia para publicação, tudo isso me levou ao estudo
de sua trajetória como escritor.
Pensando neste mês em que se
comemora o aniversário de nascimento do escritor, você acredita que o trabalho
de Lúcio Cardoso é devidamente reconhecido?
Existe o reconhecimento da
qualidade de Lúcio Cardoso como um grande romancista. Crônica da casa assassinada, por exemplo, está entre os clássicos
de nossa literatura, já teve adaptação para o cinema e o teatro. Entretanto, o
nome do escritor não tem uma repercussão midiática ou tão popular. Creio que a
apresentação da obra do Lúcio Cardoso nas universidades e a boa divulgação dos
nossos escritores, em geral, é sempre um presente maior para o leitor, mais do
que para o próprio autor. Por isso, um espaço como este de vocês é tão
importante.
Um fato fascinante na vida de
Lúcio Cardoso é que ele não deixou suas atividades criativas serem
interrompidas pelo derrame que sofreu, permaneceu criando mesmo com suas
limitações, investindo mais nas artes plásticas. O seu livro cobre
bastante este período depois do AVC. Gostaria que você falasse do processo de
pesquisa, já que “Lúcio Cardoso em corpo e escrita” traz muitas
fotos/reproduções desta fase.
 |
Beatriz Damasceno: pesquisa sobre escrita de Lúcio Cardoso |
No meu livro, procurei dar
sentido aos anos em que o escritor conviveu com o AVC, pois todas as
referências biográficas davam um salto nesse tempo: em 1962, o escritor teve um
acidente vascular cerebral que o impossibilitou de falar e escrever e morreu em
1968. Quis conhecer como Lúcio viveu esse tempo, já que era extremamente ligado
à escrita, e encontrei uma série de pastas, blocos, cadernos, cadernetas que
traziam todo um processo de busca pela reabilitação. E, principalmente, uma
escrita de experiências diárias, à maneira própria do corpo. As reproduções
desse material servem também para que o leitor observe o quanto o escritor
mantém a cumplicidade com a escrita, no período da doença. Posso dizer que o
meu processo de pesquisa foi muito emocionante.
Hoje em dia vem se tornando
comum surgirem artistas que transitam em mais de uma forma de arte, e vemos
classificações como “artista multimídia”. De certa forma, Lúcio Cardoso já
antecipava esta tendência?
Lúcio Cardoso era múltiplo, tinha interesses
diversos, transitou por muitas áreas em toda a sua carreira, como, por exemplo,
teatro e cinema. Também já gostava de pintar, desenhar. Entretanto, conseguiu
reconhecimento como romancista. Mas acredito que a pintura, ofício após o AVC,
foi para ele uma nova forma de escrita. Numa folha de bloco que está
reproduzida no livro, Lúcio escreve aos amigos, após a abertura de sua
exposição de quadros e inúmeros elogios: “É, sou escritor.”
Esta luta pela arte como uma
necessidade vital, empreendida por Lúcio Cardoso, contrasta muito com a forma
com que muitos lidam com a arte nos dias de hoje, com o prisma do descartável,
do instantâneo, apenas do viés mercadológico. Neste aspecto, acredito que
seu livro pode ser interessante a professores e estudantes não só de letras,
mas de artes em geral...
O que acho interessante na
personalidade desse artista, quando você se refere ao interesse mercadológico,
é que Lúcio Cardoso fez praticamente um trabalho às avessas. Num momento em que
o romance chamado regionalista estava em voga, que escrever sobre a realidade
social era uma forma de alcançar um reconhecimento, Lúcio Cardoso nega essa
opção e rejeita qualquer análise de seus livros a partir dessa ótica. Em entrevista,
afirma: “A minha concepção de romance vai de encontro ao da maioria dos
romancistas modernos, que preconizam uma arte da observação pura, a fotografia
da realidade... A verdade está no subsolo.”
Acredito que o livro traz uma
reflexão sobre a arte que não espera, que é uma marca territorial, matéria de
expressão. Lúcio Cardoso, nesse período, dentro de todas as limitações, não
teria interrompido seu trabalho de diarista, por exemplo, mas o apresenta de
maneira radical, inscrevendo as percepções, movimentos e afecções do corpo na
composição da escrita.
Qual o maior legado de Lúcio Cardoso?
Lúcio Cardoso nos deixa a
relação de dignidade do artista com sua arte. Experimentou a morte pela escrita
e por ela também será incapaz de morrer.
O Blog agradece a sua entrevista!