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Quero falar de A experiência opaca – literatura e
desencanto, de
Florencia Garramuño, lançamento da EdUERJ, com tradução de Paloma Vidal. Um trabalho que enfoca
as literaturas argentina e brasileira contemporâneas não só como objeto de
estudo, mas como um vasto campo de experimentação teórica. Para isto, a autora
utiliza concepções, como as de Lygia Clark e Hélio Oiticica, que pressupõem que
a arte como um convite à experimentação, pronta a modificar o público que a consome,
oferecendo e recebendo novos significados.
Não por acaso,
Florencia invoca uma fala do personagem Rodrigo, oriundo de “A hora da
estrela”, de Clarice Lispector:
“Transgredir
meus próprios limites, me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever
sobre a realidade, já que esta me ultrapassa.”
Como exemplo
para explicar a interação entre arte e realidade, Florencia recorre a Hélio
Oiticica, extraído em “Anotações sobre o Parangolé”: “Museu é o mundo, a
experiência cotidiana”.
Esta é a
filosofia que permeia este Literatura
Opaca. Nele, a professora nos guia
por autores cuja criação literária arranca o sujeito de si mesmo, desfilando
personagens eventualmente sem nomes, protagonistas que se fundem, sugerindo a
intensificação de estados emocionais e caminhos fragmentados. Para Florência, a
escrita está “mais próxima de uma ideia de organismo vivo, irracional, que
respira, do que de uma construção acabada...”.
A literatura
analisada, seja brasileira ou argentina, não surge impondo conhecimento ou saberes,
mas sugerindo o precipício do gozo e da fantasia, quiçá do sofrimento. Nesta
aventura, Florencia enumera Clarisse Lispector, João Gilberto Noll, Ricardo
Zelarayan, Beatriz Sarlo, Osvaldo Lamborghini, Silviano Santiago, Ana Cristina
Cesar, entre outros.
Um dos
destaques é a abordagem do lado histórico de dois países do terceiro mundo
marcados pela ditadura. Um exemplo é o capítulo 2, “Um contexto: o desencanto
do moderno”, observando o aparente apogeu, seguido de esgotamento, da hegemonia
cultural da esquerda nos primeiros anos da ditadura tanto no Brasil quanto na
Argentina (esgotamento “apressado” pelo AI-5, no nosso caso). O desdobramento é
a encruzilhada, surgida posteriormente: a arte deve ater-se ao momento político
de seu país, tornando-se, por vezes, doutrinária? Ou seria possível uma
manifestação cultural política e autônoma?
Estas e
outras questões estão em A experiência
opaca – Literatura e desencanto, de Florencia Garramuño, coordenadora do
Programa de Cultura Brasileira da Universidade de San Andrés, em Buenos Aires,
indicado, sobretudo, para os estudiosos de literatura latino-americana.